sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O gato que encontrou Deus

Não se evita o sorriso ao ler o título deste livro de Robert Fisher e Beth Kelly.

Bem-humorado, este livro vai-nos relatando a mudança espiritual – melhor, procura – de Ellen, a dona de Marmelade, o gato da cauda às riscas laranja. Nessa procura, Ellen impõe uma série de mudanças nas rotinas da sua vida, a começar pela alimentação: passa a vegetariana, e o seu simpático gato tem também de sujeitar-se às mudanças da sua dona.

Marmelade tem uma vizinha gata – a Fluffy – com a qual desabafa as loucuras de Ellen “aos olhos dos gatos, todos os seres humanos são um pouco ridículos”, e onde vai roubar comida, para escapar à dieta vegetariana.
Pequeno aparte: é absolutamente delicioso ir acompanhando os pensamentos de Marmelade sobre as atitudes de Ellen. Ainda mais se tivermos em conta que esta consegue saber o que ele está a pensar.

Voltando à história…
Ellen entende que para a mudança ser real tem de mudar tudo na sua vida. Vai daí, muda também o seu nome para Ambika, que significa Mãe Divina. Desta maneira, ela julga mudar características de que queria desfazer-se tais como ser “crítica, gordinha… um pouco gordinha, e também um pouco ciumenta, mandona e, às vezes dominante”. Assim, passa a pensar em si mesma “como carinhosa, amável, maternal, leal e paciente”.

No capítulo seguinte, chega-nos esta novidade:
– "E foi assim que me transformei em Ramsés II – anunciou Marmelade a Fluffy”
A gargalhada sai espontânea.

Na sua quotidiana procura espiritual, Ellen decide deixar de usar relógios… E acaba sendo despedida.

Para fazer face às despesas, ainda tenta alugar um quarto a alguém. A pessoa encontrada mal pousa as malas. Não houve compatibilidade entre as mascotes…
Ellen decide então viajar e ir à procura de Deus. Para isso, Marmelade ficaria com os donos de Fluffy. Mas estes também vão viajar e não podem ficar com os gatos. Estes, aventureiros, decidem então pôr mãos à obra e ir à procura de Deus. Vão parar à Índia…

Pormenor: Marmelade, entretanto, converte-se também à procura espiritual da dona…

Em Bombaim, são aconselhados a visitar um sábio gato himalaio que vivia num mosteiro. Este gato era... o Grande ELE.

A conversa de Marmelade e Fluffy com o Grande ELE é, simultaneamente, descontraída e profunda. Às tantas, o Grande ELE diz-lhes:
- "Lembrem-se, Deus dá-nos coragem, e a coragem dá-nos Deus”

No regresso são sugados por um OVNI. E encontram o Ser, um gato de três metros de altura. Este, surpreendentemente, pede-lhes ajuda para “ensinar às pessoas da Terra a amarem-se umas às outras”…. E são devolvidos às suas donas.

As peripécias no regresso sucedem-se e acabam sendo convidados para um programa televisivo especializado em histórias insólitas e impossíveis. Nesse programa, o Ser entra em directo para todo o mundo a anunciar a sua mensagem:
- “(…) que em cada dia ameis outro ser humano como amais o vosso gato”.

No fim, a inquietante procura leva a uma certeza:

“Deus é um gato”

sábado, 24 de janeiro de 2009

O Velho e o Mar

Um velho pescador não pescava nada há 84 dias.
Assim começa “O Velho e o Mar”, a saga de um homem e de um peixe imenso. Uma luta entre o homem e a natureza, uma luta igual na medida em que é individual. Mas uma luta desigual na medida em que o velho possui as suas armas, enquanto o peixe é indefeso.

Neste pequeno romance, feito de solidão, há uma linha que o atravessa: um profundo respeito entre os seres. Cada um faz o que deve – um teste de sobrevivência – envolto numa prova mútua de persistência e resistência. Ao longo de três intermináveis dias, homem e peixe jogam um com o outro, tentando vencer-se mutuamente. Às tantas, o velho pensa no que será a vida do peixe, nas semelhanças entre ele e o peixe que tem na ponta da linha, preso à isca.

Depois de apanhar o peixe, maior que a sua pequena embarcação, o velho, desgastado pelo longo esforço da pesca, vê o seu trabalho perdido. Enquanto arrasta o peixe para o porto de Havana, este vai sendo devorado por tubarões, com os quais ainda se bate. Este episódio é uma notável alegoria para situações que a vida nos apresenta. Tal como todo o romance pode ser lido a essa luz.

“O Velho e o Mar” é um romance despido das tramas habituais. É antes de mais um hino à simplicidade, à luta entre iguais, com todas as forças e todas as fragilidades naturais.

Algumas frases:
- “Um homem pode ser destruído, mas não derrotado”.
- “A sorte é uma coisa que vem de muitas formas. Quem sabe reconhecê-la?”

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O Cego de Sevilha


... o meu primeiro livro de bolso.
Depois de uma tentativa falhada de conhecer o génio de Wilson através do " Último Acto em Lisboa" (talvez agora lhe dê outra oportunidade), eis que surge “O Cego de Sevilha”, sem dúvida um dos mais evocativos, absorventes e inteligentes thrillers psicológicos de sempre.

Celebra-se a cidade e o povo. É semana santa em Sevilha. Um empresário de renome é encontrado atado, amordaçado e morto em frente da sua televisão. As feridas auto-infligidas deixam perceber a luta que travou para evitar o horror das imagens que foi forçado a ver. Quando confrontado com esta macabra cena, o habitualmente desapaixonado detective de homicídios Javier Falcón sente um medo inexplicável. O que é que podia ser tão terrível?

A investigação arrasta o protagonista através da sua própria vida, fá-lo perder-se num turbilhão de emoções que estão à flor da pele e que este não controla acabando por consumir-se nelas.

O seu passado assoma a cada avanço da investigação. A intriga, o mistério e a crueldade atingem o leitor como um soco no estômago, mal Javier Falcón começa a ler os diários secretos do seu falecido pai.
A tensão avoluma-se a umas quantas páginas do fim num regresso forçado a traumas antigos enraizados em recordações dolorosas, que antecedem um desfecho que já não consegue perturbar-nos depois de tudo a que assistimos.

Javier Falcón abandona desta forma a meia existência em que vinha vivendo ao ser confrontado com a última “Lição de ver”.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Há impressões tão fortes que não precisam de palavras...
Mas hoje tens direito a uma especial:
PARABÉNS!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Biblioteca SÁBADO

Mais uma vez, a revista SÁBADO vai lançar uma série de livros pelo simbólico valor de 1,00€.

- Mar Morto, de Jorge Amado
- 22 Janeiro

- Samarcanda, de Amin Maalouf
- 29 Janeiro

- Os Filhos da Meia Noite, de Salman Rushdie
- 5 Fevereiro

- As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino
- 12 Fevereiro

- Lolita, de Vladimir Nabokov
- 19 Fevereiro

- Vasto Mar de Sargaços, de Jean Rhys
- 26 Fevereito

- O Quarto Protocolo, de Frederick Forsyth
- 5 Março

Boas leituras.

domingo, 11 de janeiro de 2009

O velho do mar

"Tudo nele e dele era velho, menos os olhos, que eram da cor do mar e alegres e não-vencidos"

Ernest Hemingway, in "O Velho e o Mar"

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Slam - a vida como ela é


Inesperadamente este Natal trouxe-me o livro “SLAM - a vida como ela é”, de Nick Hornby. A capa diz ser um bestseller internacional... fiquei a saber.

Na contracapa, e segundo o Observer, “Hornby pega nas ironias cruas da vida e raspa-as docemente para revelar jóias de verdade amarga e doce"... Fiquei curioso.


Este romance (quase diria uma série juvenil) acompanha a vida de um adolescente de 15 anos, em Londres, durante alguns meses. Trata-se de um jovem skater, como todos os jovens e como nós já fomos um dia: descontraído, sem cadeias, irresponsável, “estúpido” como ele mesmo não se cansa de repetir, sem nada que o preocupe na vida. Ele tem no quarto um poster de Tony Hawk, um skater famoso que ele admira e com cujo poster conversa (não apenas fala).

O Sam tem pensamentos e respostas típicas de adolescentes: parvos, sem dramas de maior, egocêntrico, irreverente, idiota, por vezes manipulador. Mas simultaneamente inocente e ternurento.

Um certo dia, ele acompanha a jovem mãe (de 32 anos) a uma festa de uma colega desta e conhece Alicia. Filha da aniversariante, e tão miúda como ele. Apaixonam-se. E o “inesperado” acontece: ela engravida.

A forma como encara este facto é absolutamente mirabolante, com uma sucessão de episódios alucinantes: ele consegue ser transportado para o futuro e ver o que o espera (ainda mais cómico na medida em que todas as outras personagens estão plenamente integradas nesse futuro, menos ele, que não sabe nomes ou factos que os outros já sabem); e chega até a fugir para uma cidade próxima de Londres, onde tinha passado um verão.

Em cada linha é evidente que este adolescente não compreende completamente o mundo que o rodeia. Baralhado, não sabe como reagir aos factos, não os sabendo interpretar de todo. Basta ver o tipo de respostas ou comentários que só ele consegue ter…

Sam é ao mesmo tempo personagem e narrador, o que dá à história uma roupagem muito interessante. Como ele próprio diz a certa altura, o que dá interesse às histórias são os sentimentos que os ligam, são o que os factos nos fizeram sentir. Porque a história pode ser contada em poucas linhas e ficar sem qualquer tipo de interesse. A diferença está nas sensações que nos provocou. E é isso que nos agarra neste romance, pois é como se estivéssemos dentro da cabeça do Sam, a ler-lhe todos aqueles desconcertantes pensamentos. Certeiros, divertidos, parvos.

Por exemplo, quando o filho nasce, no hospital, a mãe dele procura o neto. Pensamento do jovem pai: “os seus olhos varriam o quarto em busca de uma trouxa que pudesse ser um bebé. Acabou por encontrar essa trouxa ao meu colo, e arrancou-ma das mãos”. Isto é divinal!

Abordando a gravidez adolescente em Inglaterra (às tantas, sobre um relatório do primeiro ministro acerca disso, ele tem uma série de tiradas genialmente bem-humoradas), este romance traça um retrato divertido dessa situação, pegando nesta família e dissecando o que cada personagem representa (os jovens inconscientes, a mãe que passou por um caso semelhante, os pais que sonham com um grande futuro para a filha, a filha que quer um futuro normal, o pai “gajo” irresponsável, os jovens skaters…).

Há muito que não lia um livro assim "de enfiada". Pouco mais de uma semana para devorar a mirabolante história de Sam, por ele mesmo. Não será uma obra-prima, mas é divertido. E aborda esta problemática de uma perspectiva interessante.